Uma reflexão sobre sucesso, propósito e o valor do agir bem em um mundo que exige resultados constantes.
Todo mundo quer ter sucesso.
E a premissa é a seguinte:
Eu acredito que independente da nossa percepção da realidade, agir bem e tomar boas decisões aumentam as chances de sucesso. E por sucesso entendo ter uma vida digna, com condições de me dedicar ao espírito e estar apto para enfrentar as intempéries do meio sem necessitar de ajuda externa ou intervenções.
Eu levei mais de 10 anos para construir essa premissa e você levará 9 minutos para talvez economizar alguns anos na sua.
Esse texto é um convite para você refletir sobre o que significa viver uma vida digna — e o que é necessário para sobreviver em um mundo que nunca para de mudar.
A anatomia da premissa
Para explicar a mensagem por trás dessa premissa preciso dividi-la em sete partes.
“[Eu acredito que independente da nossa percepção da realidade], [agir bem e tomar boas decisões] [aumentam as chances de sucesso.] [E por sucesso entendo] [ter uma vida digna,] [com condições de me dedicar ao espírito] e [estar apto para enfrentar as intempéries do meio sem necessitar de ajuda externa ou intervenções.]”
Primeira parte:
“Eu acredito que independente da nossa percepção da realidade”
Cresci em uma família religiosa e, como muitos brasileiros, tive minhas inquietações. Desde cedo, questionava as imposições familiares e buscava entender o “porquê” das coisas.
Mas, à medida que fui conquistando autonomia, percebi que minha inteligência é limitada. Pouco importa se Deus existe ou não, ou se Aristóteles estava mais certo que Kant. Essas respostas, por mais interessantes que sejam, não impactam diretamente na nossa capacidade de agir bem e tomar boas decisões hoje.
O que importa é entender que todos temos um papel a cumprir, e que a sorte está em ter a oportunidade de agir — e agir bem.
Segunda parte:
“agir bem e tomar boas decisões”
Não sei te dizer exatamente como absorvi essa ideia, mas há muito tempo entendo que agir bem é uma premissa básica para a sobrevivência, enquanto tomar boas decisões é a chave para uma vida boa.
E o que significa agir bem?
É entregar o meu melhor, dentro das condições que eu tenho, até conseguir condições melhores para entregar melhor ainda.
Mas essa entrega leva tempo. E aqui surge um dilema:
Como agir bem em uma era que exige tudo rápido, escalável e mensurável?
Quando comecei a prestar serviços, aprendi que existe um princípio comum a todas as profissões: nós existimos para resolver problemas. Seja um médico, um professor, um advogado ou um videomaker, todos são, no fundo, solucionadores de problemas.
A sociedade se mantém e se desenvolve graças a quem resolve problemas.
Mas há uma diferença importante: nem todo problema está ao nosso alcance.
A autonomia começa quando reconhecemos que há coisas que podemos controlar e outras que não. E nas que podemos, precisamos tomar boas decisões.
Essa postura é tão real que é fácil transformá-la em uma narrativa de mercado. Afinal, o cliente quer ver problemas resolvidos. Mas o que poucos percebem é que não basta resolver problemas rápido é preciso resolver bem.
Parte três:
“aumentam as chances de sucesso.”
Antes mesmo de transformar a produção de vídeos em um negócio, eu percebi que adotar a postura de solucionador de problemas seria um bom caminho para o sucesso. Mas, com o tempo, essa narrativa começou a me incomodar — era fraca, genérica.
Foi então que resgatei e passei a adotar a postura do artífice.
No mercado de prestação de serviços, há dois caminhos principais: o do artista e o do artífice.
Ambos podem ser bem-sucedidos, mas exigem posturas muito diferentes.
O artista é aquele que imprime sua visão pessoal em cada entrega. Ele é movido por sua criatividade, seu estilo e sua necessidade de expressão. Mas essa postura traz riscos. O mercado muda rápido, e o que é considerado “arte” hoje pode não ser relevante amanhã. Há quem contrate por estilo, mas poucos se mantêm relevantes por muito tempo apenas com essa abordagem.
O artífice, por outro lado, é aquele que prioriza a visão do contratante. Seu objetivo não é criar para contemplação, mas entregar da melhor maneira possível aquilo que foi pedido — com precisão, clareza e impacto. Ele busca soluções práticas, respeitando o contexto e as necessidades de quem o contratou.
Essa postura tem raízes antigas.
Leonardo da Vinci, muitas vezes descrito como artista, cientista ou homem universal do Renascimento, foi, na verdade, um artífice.
Essa leitura pode parecer estranha hoje, mas faz sentido quando olhamos para a origem de seus trabalhos.
Leonardo não pintou a Mona Lisa para que ela fosse admirada em um museu. Ele foi contratado para resolver um problema: um comerciante queria um retrato da esposa para tê-la sempre por perto. Leonardo entregou a melhor pintura possível, dentro das condições que tinha — esse foi seu papel como artífice.
A noção de obra de arte como entendemos hoje — algo a ser contemplado em museus — só se consolidou séculos depois, no século XIX. O próprio conceito de artista não existia no vocabulário florentino do século XVII. Leonardo, em sua época, era um solucionador de problemas.
Adotar a postura do artífice mudou minha trajetória.
Priorizar a visão do cliente, entregar bem e tomar boas decisões garantiu projetos melhores, satisfação real e resultados duradouros.
Parte quatro:
“E por sucesso entendo”
Adotar a postura do artífice mudou minha forma de trabalhar e também a forma como eu enxergo o sucesso.
O termo sucesso pode ser entendido de várias maneiras. No fundo, depende do olhar de cada um e do contexto. Mas, no geral, a sociedade tende a definir sucesso como vencer desafios que a maioria não consegue enfrentar. É aquele que se destaca, é bem remunerado, mantém a saúde em dia, tem uma boa família, se dedica ao espírito, cultiva bons relacionamentos e é reconhecido no trabalho.
Em resumo, sucesso é visto como ter tudo sob controle.
Mas será que essa visão faz sentido?
Essa parte é um convite para encarar sucesso de uma forma diferente — que explicarei nas partes seguintes.
Parte cinco:
“ter uma vida digna”
O que é uma vida digna?
É ter o suficiente para viver sem medo. É poder fazer escolhas com autonomia, encontrar propósito no que fazemos e ser respeitado por quem somos.
Parece simples, não é?
Mas, no mundo em que vivemos, essa busca foi distorcida.
Nos ensinaram que dignidade está atrelada ao status, ao número de likes ou à posição que ocupamos na empresa. Que você só é digno se for reconhecido, promovido ou admirado.
Mas não é assim.
No fundo, todos buscamos a mesma coisa:
Liberdade para ser quem somos, respeito pelos nossos valores e segurança para seguir adiante.
Ou seja, vida digna não é luxo ou extravagância. Não é necessariamente ter muito dinheiro ou status social. É o básico necessário para que uma pessoa viva com liberdade, respeito e propósito.
Todos buscam uma vida digna. O problema é que, no caminho, muitos se perdem em ruído — trocando propósito por produtividade e liberdade por validação externa.
Parte seis:
“com condições de me dedicar ao espírito”
Ócio, na sua origem, não significa preguiça ou inatividade. No latim, otium era o tempo reservado para a dedicação ao espírito — ao estudo dos saberes, à filosofia, à fé, ao desenvolvimento pessoal. Era considerado um estado de liberdade, onde o indivíduo tinha tempo para refletir, aprender e evoluir.
Do ócio surgiu o neg-ócio — a negação do tempo livre. Quem precisava trabalhar e gerar resultados não tinha tempo para se dedicar ao espírito. Com o avanço da sociedade, essa visão se consolidou: o valor das pessoas passou a ser medido pelo que produzem e entregam.
O ócio, antes considerado necessário para o desenvolvimento humano, passou a ser visto como um desvio e uma fraqueza. Estar ocupado virou sinônimo de valor. E foi aí que nos perdemos.
Hoje, vivemos em um mundo onde estar ocupado virou sinônimo de status. Trabalhar até tarde, ter agendas lotadas, correr de um compromisso para o outro — tudo isso é visto como sinal de sucesso.
Mas, no fundo, o que estamos negando? Estamos negando o tempo necessário para olhar para dentro, para refletir, para pensar. Estamos negando o tempo para nos dedicarmos ao espírito.
Sem esse tempo, nos tornamos executores de tarefas e máquinas de resultados. E, no meio disso tudo, esquecemos quem somos e o que realmente importa.
Retomar o ócio não é preguiça. É um ato de resistência. É dizer que a sua vida não é definida apenas pelos resultados que você entrega, mas pelo tempo que você dedica ao que realmente importa.
Ser artífice na Era dos Resultados também é sobre isso: criar espaço para pensar, refletir e dedicar tempo ao espírito. É lembrar que, antes de fazer, é preciso ser.
Vivemos a negação do ócio todos os dias. A pressa constante, as notificações incessantes, as metas que nunca param — tudo isso rouba o tempo que deveria ser dedicado ao espírito.
Mas ser artífice é resgatar essa prática. É criar espaço para pensar, refletir e encontrar sentido.
É entender que, sem tempo para o espírito, não há vida digna. Há apenas ocupação sem propósito.
Parte sete:
“estar apto para enfrentar as intempéries do meio sem necessitar de ajuda externa ou intervenções.”
O que é normal?
No mundo de hoje, o normal é geralmente visto como um número, uma média ou um padrão a ser seguido. Se você está dentro dessa média, dizem que está bem. Se está fora, dizem que algo está errado.
Mas será que a normalidade é isso? Será que viver bem é se encaixar em um padrão?
Essa visão de normalidade é limitada. Ela ignora o fato de que cada vivente — cada ser humano — é único e enfrenta desafios únicos. Nem sempre o que é ‘normal’ para um é o melhor para outro. E nem sempre estar fora da média significa estar doente ou quebrado.
Essa visão limitada de normalidade foi desafiada por um filósofo e médico chamado Georges Canguilhem. Ele nos convida a pensar de forma diferente sobre a realidade:
Para Canguilhem, o normal não é um número, uma média ou um padrão. O normal é a capacidade do vivente de se adaptar ao meio, que é ativo e luta contra ti, e enfrentar as adversidades sem precisar de ajuda externa ou intervenção compulsória.
Ser saudável é se dar ao luxo de ficar doente. Para ele, quando conseguimos lidar com um resfriado sem fazer uso de remédios, isso significa que não estávamos doentes, esse é o sinal mais claro de saúde. Você está saudável quando consegue adaptar sua vida aos desafios que o meio impõe sem precisar que alguém interfira para resolver seus problemas.
Essa reflexão mudou completamente a forma como eu vejo o mundo: o meio não é passivo. O meio é ativo. Ele destrói, reconstrói e se transforma constantemente.
Essa ideia rompe com a visão tradicional, proposta por Darwin, de que o meio é estático e os organismos precisam se adaptar a ele. O meio é um agente ativo no processo de adaptação. Ele impõe desafios, cria oportunidades, mas também pode sufocar e destruir.
Quando trazemos essa leitura para o meio corporativo, o paralelo é claro.
O mercado de trabalho, as dinâmicas de equipe, os processos internos — todos esses elementos se comportam como um meio ativo. Eles estão em constante mudança, gerando novas demandas, desafios e oportunidades. Esse meio exige resiliência e capacidade de adaptação.
No meio corporativo, o sentido de “ajuda externa” e “intervenções” ganha novos significados.
Ajuda externa pode ser entendida como networking, conexões e boas relações. Esses fatores, embora importantes, não podem ser a única base da sua sobrevivência. Se você depende exclusivamente de indicações ou favores, está vulnerável.
Intervenções são as mudanças bruscas e imprevisíveis que acontecem dentro do meio corporativo — reestruturações de equipe, cortes de orçamento, mudanças de liderança. Essas intervenções são inevitáveis e podem impactar diretamente o seu trabalho.
Aqui está a grande questão: você está preparado para enfrentar o meio sem depender exclusivamente dessas variáveis externas? Ou seja, você consegue se adaptar e entregar resultados, mesmo quando o meio joga contra você?
Esse é o ponto central da autonomia.
Não se trata de rejeitar ajuda externa ou evitar networking. Se trata de não depender exclusivamente dessas coisas para sobreviver. Se você consegue navegar pelas intempéries do meio corporativo com resiliência e clareza, você está saudável — no sentido canguilhemiano do termo.
Ser artífice é isso: entregar o melhor possível, mesmo quando o meio é adverso.
É sobreviver e prosperar em um mundo que não para de mudar.
O Convite Final:
Menos Ruído.
Mais Impacto.
No final, tudo se resume à premissa inicial:
Agir bem e tomar boas decisões aumenta as chances de sucesso.
E por sucesso entendo ter uma vida digna, com condições de me dedicar ao espírito e estar apto para enfrentar as intempéries do meio sem necessitar de ajuda externa ou intervenções.
No mundo de hoje, todos somos constantemente distraídos pelo ruído.
Ruído das redes sociais. Ruído das cobranças externas. Ruído das expectativas irreais.
Ser artífice na Era dos Resultados é resgatar o ócio criativo, buscar clareza no meio do caos e criar espaço para o que realmente importa.
É agir bem, entregar com clareza e tomar boas decisões — mesmo em um meio adverso.
É, antes de tudo, uma escolha de autonomia.
Você não controla o meio.
Mas você pode controlar como reage a ele.
Esse é o convite:
Pense menos em agradar. Pense menos em fazer mais. Pense mais em fazer bem.
Menos ruído. Mais impacto.